Ele usava a televisão com mestria. Aparecia, confortavelmente sentado num cadeirão, com um sorriso artificial afivelado, uma máscara de bonomia e de tranquilidade sempre no rosto. Eram as «conversas em Família» nome pomposo com que titulava os discursos à nação.
Estava eu na Base Aérea da Ota. No clube de oficiais ouvia a costumada arenga com atenção. A conversa era sempre a mesma: a defesa dos valores, o culto da virtude, o patriotismo sadio, a defesa do império e o império da moral sobre o império das ideologias dissolventes...
Enfim, tudo uma série de lugares comuns não indo ao cerne dos problemas: a crise económica, a contestação social, a falta de liberdades fundamentais...
Mas há que o reconhecer, Marcelo tinha ideias mais liberais que Salazar. Chegou a aventar a hipótese da independência das «Províncias Ultramarinas» mas foi travado pela ala ultra-direitista liderada por Kaúlza dde Arriaga.
Numa dessas conversas o meu comentário final foi este: «Conversa mole para boi dormir!...»
Alguma alma zeladora (que nunca se soube quem fora...) do regime foi fazer queixa de mim ao Tenente-Coronel Tomás, o autoproclamado reitor da universidade da Ota...
Se não fosse a minha aplicação nos estudos (viria a ser o primeiro classificado no curso e convidado para integrar o quadro docente... o que não aceitei...) poderia ter ficado ferido de morte... morte profissional, entenda-se. Tive dificuldade em explicar-lhe (no seu gabinete) que não queria ofender o regime nem desmoralizar as tropas, era apenas uma piada ouvida a uma brasileira que às vezes me ia visitar aos domingos e com quem ia para a piscina... somente...
Agora, no actual regime, também há desabafos que por vezes se pagam caro...
De facto, muita coisa mudou, sobretudo em termos técnicos, económicos, sociais e culturais. Mas ainda persistem alguns surtos de fascização. Veja-se a quantidade de processos em tribunal por alegados insultos a autarcas e a governantes por questões de lana caprina... Há tiques fascizantes em muitos locais neste país...Marcelos Caetanos há tantos que nem sei que diga...
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