domingo, outubro 05, 2008

Conversas em família!...

Marcelo Caetano era muito dado a banhos de multidão. Gostava muito de aparecer ao lado da populaça sempre com um sorriso afivelado aos lábios. Tal como agora, alguns autarcas que dizem estar sempre, mas sempre, ao lado do povo... nas fotos, que não nas práticas!
Ele usava a televisão com mestria. Aparecia, confortavelmente sentado num cadeirão, com um sorriso artificial afivelado, uma máscara de bonomia e de tranquilidade sempre no rosto. Eram as «conversas em Família» nome pomposo com que titulava os discursos à nação.
Estava eu na Base Aérea da Ota. No clube de oficiais ouvia a costumada arenga com atenção. A conversa era sempre a mesma: a defesa dos valores, o culto da virtude, o patriotismo sadio, a defesa do império e o império da moral sobre o império das ideologias dissolventes...
Enfim, tudo uma série de lugares comuns não indo ao cerne dos problemas: a crise económica, a contestação social, a falta de liberdades fundamentais...
Mas há que o reconhecer, Marcelo tinha ideias mais liberais que Salazar. Chegou a aventar a hipótese da independência das «Províncias Ultramarinas» mas foi travado pela ala ultra-direitista liderada por Kaúlza dde Arriaga.
Numa dessas conversas o meu comentário final foi este: «Conversa mole para boi dormir!...»
Alguma alma zeladora (que nunca se soube quem fora...) do regime foi fazer queixa de mim ao Tenente-Coronel Tomás, o autoproclamado reitor da universidade da Ota...
Se não fosse a minha aplicação nos estudos (viria a ser o primeiro classificado no curso e convidado para integrar o quadro docente... o que não aceitei...) poderia ter ficado ferido de morte... morte profissional, entenda-se. Tive dificuldade em explicar-lhe (no seu gabinete) que não queria ofender o regime nem desmoralizar as tropas, era apenas uma piada ouvida a uma brasileira que às vezes me ia visitar aos domingos e com quem ia para a piscina... somente...
Agora, no actual regime, também há desabafos que por vezes se pagam caro...
De facto, muita coisa mudou, sobretudo em termos técnicos, económicos, sociais e culturais. Mas ainda persistem alguns surtos de fascização. Veja-se a quantidade de processos em tribunal por alegados insultos a autarcas e a governantes por questões de lana caprina... Há tiques fascizantes em muitos locais neste país...Marcelos Caetanos há tantos que nem sei que diga...

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