quinta-feira, outubro 02, 2008

Prof Daniel Serrão. O seu saneamento político.

Vai saír um livro que conta a história do saneamento do prof Daniel Serrão (médico) logo após o 25 de Abril. Relata uma série de perseguições e acusações infundadas que deram azo ao seu saneamento.

Recordo a propósito o sanemento de alguns jornalistas (conotados com o MRPP) no DN em Lisboa. Fui um dos que subscreveram um abaixo-assinado (recordo-me de andar pela Av da Liberdade a recolher assinaturas em empresas e locais públicos) que visava a contenção daquela medida repulsiva.Contudo, apesar de muitos abaixo-assinados, não foi suficiente para deitar abaixo o propósito dos directores de então. Mário Contumélias (poeta meu conhecido) foi uma das vítimas.

Os saneamentos selvagens foram uma vergonha e uma intimidação cobarde tendo por trás, quase sempre, a mão persecutória do PCP. Ainda recordo a tentativa de saneamento do prof Fausto Quadros (no ISCEF). Leccionava (contra sua vontade) a cadeira de materialismo histórico dialéctico. Criticava o conteúdo pseudo-científico dos ensinamentos contidos na própria bibliografia recomendada pela escola. Espicaçava de forma salutar o espírito crítico dos alunos, adentro de uma óptica de liberdade e de não sectarismo como era seu apanágio.

Um grupo de alunos (afectos ao PCP) convocou uma reunião alargada para o tentar sanear por alegadamente «fugir aos temas». Eu e alguns colegas (muito poucos: Salada Ferreira, Jacinto, João Ribeiro) defendemos a liberdade de actuação do professor. Adentro de uma perspectiva de ensino livre e responsável, não enfeudado a dogmatismos nem a monolitismos. Entendíamos que a sua visão plural e sensata era a mais correcta. A liberdade de ensino era própria do Abril que nós sonhávamos! Mas havia outro Abril, o Abril partidocrático, o Abril do PCP...

A votação foi favorável aos saneadores. Eu, como delegado de turma ao conselho científico nunca apresentei a proposta de saneamento pois entendia isso como uma aberração e uma violência. Meti-a na gaveta e jamais a apresentei.
O professor só soube da sua «expulsão» no final do ano lectivo. Quando lhe entreguei a proposta que deveria ter sido posta à consideração do Conselho Científico.

O prof Daniel Serrão certamente foi vítima da ambição de alguns que pretendiam abocanhar lugares a torto e a direito. O maximalismo cunhalista (de que é exemplo uma célebre entrevista dada a Oriana Fallaci em que defendia a ditadura do proletariado para Portugal) foi péssimo para o desenrolar da democracia. Cunhal, que teve um capital de prestígio inigualável pelo seu passado no ante-25 de Abril, cometeu erros de palmatória no desenrolar do PREC e viu desmoronar-se toda a aura de combatente pela liberdade, pois tentou amordaçar a própria democracia. A unicidade sindical (desejo de ver os trabalhadores sob o controlo de uma única central sindical, susceptível de ser controlada pelo próprio PCP e cerceadora de liberdade sindical em caso de liderança do partido na prossecução de uma ditadura do proletariado) foi um dos cavalos de batalha que levou muita gente a afastar-se de Cunhal e das suas ideias.

Oxalá este livro de Daniel Serrão faça luz sobre uma época que foi controversa e deu azo a acesos combates. Lembro-me que cheguei a ser acusado de direitista pela esquerda e esquerdista por certa direita. Ser independente é bem mais difícil do que seguir uma cartilha estereotipada, abrigado sob a asa partidária. Somos alvejados à esquerda e à direita, mas ganhamos resistência e forjamos carácter nesta luta desigual.

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