Um gigante das letras. Um mentor da pura cidadania. Um iconoclasta do «paraíso comunista»!
Faleceu Alexandre Soljenitsine, um dos maiores vultos da literatura, um homem que denunciou as perseguições estalinistas, os gulagues, as prepotências da justiça do regime comunista. Prémio Nobel da literatura em 1970, foi alguém que me ajudou a formar culturalmente, foi para mim um mentor espiritual e um educador. Ainda hoje quando critico certos excessos da justiça, quando me defronto com kafkianas perseguições, não posso deixar de recordar o fervor com que li o Arquipélago de Gulag, num contexto de intimidação social e de alguma conturbação dos espíritos.
Devo também muito a Artur Portela (então director do Jornal Novo), pela sua capacidade analítica, por seu queirosiano sentido do ridículo, por ter sido uma lufada de ar puro num ambiente de intoxicação da opinião pública como foi o verão de 1975 em Portugal.
O Jornal Novo e o Arquipélago de Gulag foram dois bordões espirituais que me ajudaram a atravessar aquelas areias movediças. Pessoas como Raúl Rego, Manuel Alegre, Joaquim Letria, José Carlos Vasconcelos, foram compagnons de route num período difícil onde a lucidez andava arredia...
Recordo ainda as críticas ferozes que certa esquerda fazia. Era tudo anticomunismo primário, segundo eles. Recordo um livro que me marcou por essa altura: «26 Anos na União Soviética» do operário Chico da CUF. Soljenitsine era um «renegado», um «traidor» e outros mimos.
Ainda hoje quando releio o «Arquipélago de Gulag» (ocupa muito espaço na biblioteca mas vale a pena relê-lo...) não posso deixar de compará-lo com os relatos do Tarrafal feitos por alguns comunistas e antifascistas portugueses. Comunismo e fascismo de braço dado na metodologia, na falta de respeito pelos Direitos Humanos.
George Orwell, com o seu «Animal Farm» também me ajudou a formatar a consciência cívica e a ter tanta repugnância pelos «jardins» que vão atolando esta pobre democracia cada vez mais abastardada. Mas Alexandre Soljenitsine foi uma «vacina» exemplar contra o totalitarismo soviético. Cunhal odiava-o. O chamado comunismo de feição soviética (por oposição ao eurocomunismo de Marchais e de Enrico Berlinguer - mais moderado e mais adaptado a uma democracia representativa) tecia as mais duras críticas a este homem perseguido e torturado pelo regime que se dizia defensor do povo, a mais sublime das democracias...
Por isso ainda hoje manifesto uma certa repugnância pelo poder, quando vejo presidentes de câmara perseguindo ferozmente nos tribunais opositores que cumprem com dignidade o seu papel (fiscalizar e alertar os executivos para eventuais ilegalidades), quando vejo chamarem «loucos» aos oponentes, lembro-me logo do internamento de Sakarov, do próprio Walesa e de tantos outros cuja única«doença» era o espírito democrático, a ânsia de liberdade, o desejo de verem uma democracia plena e actuante.
Quando vejo certa justiça (a velhaca, a vendida ao poder...) a fazer fretes aos tenentes do poder, aos magnatas, eu recordo Soljenitsine e todos aqueles que foram vítimas dos arbítrios e das perseguições ao longa da existência. Juízes bastardos, vergados servilmente ao poder, sempre houve e haverá. É da humana condição. Mas são eles que fazem emergir os Soljenitsines de todos os quadrantes, de todas as nacionalidades.
Por isso ao recordar Soljenitsine, recordo também o actual bastonário da Ordem dos Advogados, o intrépido Dr Marinho Pinto, pela sua coragem em denunciar as prepotências, os fascizantes comportamentos de certos agentes da justiça que mais não são do que lacaios da repressão, factotuns ao serviço da nomenklatura! a esses, o meu opróbrio!
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