-Nós os animais, devemos respeito mútuo!
Apertou o nó da gravata, tossiu ligeiramente, olhou em redor com ar imperial, e começou a ler o discurso. A seu lado, Cavaco aguardava a vez de botar faladura...
Desta vez era em quadras populares, para ser melhor compreendido pelo povo.
E falou assim:
Quero massagens ao ego
E discurso de louvor,
Senão, alguém eu encarrego
De vos chamar estupor!
A mim ninguém me dá tanga
E disso ficai cientes
Posso gritar: «Ipiranga!»
Ser um novo Tiradentes!
Perante mim, só vergados,
E co'a maozinha no peito,
Discursos bem engraxados
Os louros com que me enfeito!
Sou Bokassa, sim senhor,
E sempre assim serei,
E até o Silva, senhor,
Trará incenso pra mim!
Ai de quem me criticar
Ou disser pequeno mal,
De vergonha vai corar
Com «maricas» vai gramar!
Vossos discuros vou ler
Exijo prévia censura
Quando não, Bokassa tem,
Um acesso de loucura!
Sou pastor deste rebanho
Dócil e disciplinado
Só assim eu tenho ganho
E mantido o meu reinado.
Chamam-me Soba, sei bem,
Sou Soba, digo e repito,
Exijo a todos Amém!
Mas, críticos não admito!
Todos quero a lamber botas
Padres, juizes, jornais,
Sou eu quem despacha as notas,
Só eu... dou milho aos pardais!
Por isso, exijo respeito,
Todos a lamber-me o rabo,
E quem não me prestar preito,
Mando-o logo pró «Diabo»!
O «Diabo» tem mesuras
Comigo ao colo sempre anda,
Pago-lhe as vis sinecuras
Pra me fazer propaganda!
Sei insultar com rudeza
E gosto de amesquinhar
É condão da realeza
Co'o povo... sempre reinar!
Cavaco ouviu, meteu o papelinho do discurso ao bolso e replicou de improviso:
Tudo voa, tudo passa,
É da humana condição,
Só não voa este Bokassa
Desumano e charlatão!
Aqui, na Bokassolândia, todos lhe lambem o cu, quem o não fizer, ou anda roto ou anda nu.
Mas eu não vergo, não lambo, nem faço massagens. Incenso também não touxe comigo, tenho gasto muito com o povo do continente, esse povo sacrificado que paga uma elevada carga fiscal para que este Bokassa o delapide com mordomias ao «Diabo» e aos diabos que o carregam.
Por isso, caro Soba Bokassa, trouxe apenas uma condecoração, o protocolo obriga-me a fazê-lo.
Merece-a, sem dúvida. É um acto de elementar justiça.
Perante o pasmo de todos os presentes, nunca se vira discurso igual em dezenas de anos na Bokassolândia, colocou ao pescoço do soba uma faixa negra onde se podia ler:
BOKASSA, O INSULTADOR-MOR DO REINO!
O Soba, estupefacto, não aguentou o desaforo e sucumbiu...
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