«Hoje em dia, caro rouxinol, pouco valor nos dão. Mas não imaginam o capital de experiência que posuímos. Neste mundo louco, nós somos a sensatez, a lucidez, a mestria!»
Fui visitá-la. Ainda possui aquela classe, aquele glamour dignos de uma Senhora. É e será sempre uma Senhora, na acepção mais nobre do termo. Comentou assim:
__ Sabes, rouxinol __ disse enquanto levava aos lábios o licor que lhe ofereci__, há tanto doutor e tanto mestre para aí que, ser Senhora, é uma mais-valia!
_A quem o diz, minha cara L.N. . E eu que o diga. As universidades são cada vez mais escola de pulhices e não, como se dizia antigamente, escola de virtudes...
__ Há quem chame virtude àquilo que nós chamamos pulhice!__ disse ela, mostrando aqueles dentes imaculados, aquele sorriso tão charmoso que fizeram dela a diva imorredoira. __Sabes, penso que há uma inversão de valores. Agora é tudo tão descartável, tão reciclável, tão simplista que nem sei que diga...
__Que livro anda a ler? Esse, aí em cima da estante, é o Saramago?
__Olha rouxinol, eu ainda aprecio muito o Eça__argumentou ela, como que a justificar-se por não ser muito amante de Saramago. __Estou a reler « o crime da estrada de Sintra»... tem algo a ver com os Maias que foi a sua obra-prima...
__Eça continua actual. Esta «choldra» refinou-se, está no auge da cretinice! __ lancei eu à guiza de «conversa catadora», como diria o sempre arguto Desmond Morris...
__Concordo plenamente, rouxinol. Mas agora há meios para a divulgação, as pessoas tendem a caír no ridículo se vergastadas pelos media; algumas pessoas corrigem, outras continuam a ser alvo da chacota colectiva...
__É claro que sempre houve de tudo um pouco__ retruquei, em sinal de concordância.__Mas, minha cara, que pensa da política actual? Do teatro?
__Olha meu caro rouxinol, isto anda um pouco apagado, falta chama, falta vibração, falta aquele clic emocional que tinham um Vasco Morgado, um Vasco Santana, enfim, os vascos de hoje são muito cinzentões...
__Não será a voz do saudosismo?
__Talvez seja, não nego, mas sou cada vez mais exigente. Aquilo que exijo para mim exijo para os outros. Sou perfeccionista e julgo que todos o deveriam ser. Este laxismo que impera no país não me motiva... Bem sei que existe um La Féria, mas é como se fosse uma ilhota isolada...
__E a TV, não lhe agrada? __ inquiri-a num território onde hoje em dia se fazem e desfazem mitos com a maior das facilidades...
__Olha, não aprecio algumas coisas, mas há outras de que gosto muito. Não sou radical. Acho que deviam dar mais teatro. Temos o Camilo, o Herman, os Gatos, aqueles reality shows às vezes muito enfadonhos e repetitivos...
__Que pensa dos jornais actuais? __indaguei semi-curioso, semi-atencioso.
__Olha, alguns nem para papel higiénico serviriam em caso de extrema necessidade!__riu com aquele ar malandro que lhe é tão característico. __Aquilo é só fofoquice pegada. Os assuntos de interesse são escamoteados. Há uma alienação monstruosa. O país está quase como antigamente no tocante a informação séria e credível... Para se saber a verdade tem que se ler a imprensa estrangeira...então quando se fala no poder local é a distorção mais alienante, o facciosismo mais doentio...
__E as revistas, não preenchem essa lacuna, de ânsia cultural, de enriquecimento mental?
__Devo ser honesta e reconhecer que algumas sim. Mesmo dentre os jornais ainda há alguns que primam pela qualidade, que são de um pluralismo exemplar. Outros, coitados, são apenas o bolçar nauseabundo de comissários políticos sem craveira... um nojo!
__Gosta de fazer caminhadas? De apanhar ar puro?
_Se gosto, rouxinol. As minhas pernas já não são o que eram, mas o meu espírito é o motor que as espicaça. A mente comanda o corpo. E comigo comanda bem, espero continuar assim...
O licor foi sendo apreciado como devia; eu bebi uma cola fresquinha que me soube tão bem...
A campainha tocou. Vieram-me chamar pois a entrevista tinha terminado. À laia de despedida ainda me disse:
_Olha rouxinol, que as mãos nunca te doam. Está a fazer falta alguém como tu! A «choldra» anda por aí! que Deus te proteja... e inspire!
Nota final: Isto é pura ficção. A diva que me perdoe a ousadia...