quinta-feira, março 05, 2009

Entrevista com o «outro» Sócrates... o filósofo...

Olhei para ele bem de frente e atirei-lhe à laia de provocação:

__Acha que fica bem esse sorriso permanente, esse ar de satisfação e de quase euforia, quando o povo sofre privações, a sociedade atravessa uma crise tremenda!

Ele hesitou, meditou e foi de uma sinceridade comovente:

__Quem, mais do que eu pode sentir esse flagelo que nos atinge nesta hora? Por dentro eu sofro. Por não ter podido cumprir o que prometi, por saber que é muito difícil alcançar os objectivos propostos. Às vezes dou comigo a pensar se também tenho culpas no cartório ou se é a conjuntura internacional...

Interrompi-o e lancei um «murro na mesa»:

__Não lhe cheira a hipocrisia esse lacrimejar de crocodilo? Quando vemos a corrupção a medrar, gente a enriquecer fabulosamente à custa de esbulhos ao erário público, administração danosa, falhas graves de supervisão em tudo, e o seu partido não avança com medidas correctoras como as propostas por Cravinho e Alegre?

Ele levou o «soco no estômago» e foi bolçando:

__ Um político tem de ser um actor, senão está condenado. Aquela minha euforia destina-se a vender a imagem do político confiante, que acredita em si e no futuro, nas suas propostas e no seu sonho. Se vou a um congresso e lanço água fria, congelo entusiasmos, como vou galvanizar as hostes para a campanha eleitoral? Eu sei que é um pouco de culto de personalidade que se cultiva ali, mas quem o não faz? Algum político vai a um congresso falar de verdades que doem?

__Então, meu caro __atalhei de pronto__, todos são uns hipócritas!
__É claro que há uma carga enorme de hipocrisia e demagogia em todos os políticos, reconheço-o humildemente__ disse Sócrates com uma frontalidade genuína. __É claro que não posso ir dizer isso à TV, digo-lho a si, aqui entre nós, como é óbvio... quanto às leis anticorrupção eu reconheço que podia ter seguido outra via. Mas ia ter problemas com financiamentos de futuras campanhas. Ninguém dá nada a ninguém. A política é um miserável jogo de interesses. Nós tantas vezes falámos de valores, mas é tudo hipocrisia pegada. Os valores não ganham eleições, os escrúpulos são a bandeira dos derrotados! Nesta democracia que temos só ganham os que driblam a legalidade em ordem a tirarem o maior proveito pessoal e partidário. Estamos na política por interesse!

__Olhe que há tempos um conhecido presidente da câmara do norte pôs em tribunal um adversário por dizer isso mesmo: «o senhor anda na política por interesse!»

__E fez bem em pôr a acção. Há verdades que não devem ser ditas! Esta digo-lha a si pois sei que não a vai badalar aos quatro ventos. É uma conversa privada e como tal deve ficar entre nós. Onde é que julga que se vão buscar milhares de contos para campanhas se não se puder dar nada em troca? Todos são iguais perante a lei, mas serão mais «iguais» os que mais derem para as casmpanhas, é óbvio! Há tempos li uma afirmação curiosa de um ex-autarca socialista, o engº Nuno Cardoso. Confessava ele que os partidos são, muitas vezes, semelhantes à máfia! Estava certíssimo, nunca tão sábias palavras foram tão oportunas. Leio muitas vezes o que diz o ex-autarca do Porto, Paulo Morais, sobre a péssima qualidade da democracia a nível local e dou-lhe total razão! Isto é uma choldra, como diria o Eça...

__Mas...__ indaguei eu, semi-perplexo__ porque se mantém nela?
__Porque o desafio é grande, o combate é aliciante, mesmo sabendo que as regras são desvirtuadas, ninguém quer perder! Eu cá sou como o Pinto da Costa, o meu amor ao partido impera sobre o eventual respeito pelas burocracias legais! O amor ao partido está acima de tudo!

__Mesmo acima da lei? __inquiri, curioso.

__Não podemos santificar a lei. Ela é passageira, hoje tem determinados padrões, amanhã outros. A lei é um meio, não um fim em si. Há que a driblar se for necessário ultrapassar certos obstáculos, para atingir os fins em vista...

__Já leu Nicolau Maquiavel?__ inquiri, sorrindo com sarcasmo evidente...

__Meu caro amigo __respondeu com um sorriso franco nos lábios...__ não preciso. Olho para o ambiente político da Madeira e colho os ensinamentos...

Nota final: Isto é pura ficção, sublinho...

2 comentários:

Manuel CD Figueiredo disse...

Diz que é ficção - aliás muitíssimo bem engendrada - mas a história aproxima-se bastante do real, e até com ela se confunde.
Há que seguir com atenção o verdadeiro Sócrates (o Filósofo). A Filosofia está cada vez mais presente no nosso quotidiano.

José Leite disse...

Meu caro:

Temos que ser realistas.É a verdade nua e crua... como diria esse grande mestre da cultura portuguesa que continua cada vez mais actual, o Eça de Queiroz!

Eça é para mim, maior que Saramago.
Quanto mais o leio, melhor compreendo este povo...