Um blogue plurifacetado procurando abordar questões de interesse sob perspectivas diversificadas. A independência sim, mas sempre subordinada a parâmetros de bom senso, de optimismo e de realismo. O mundo e a sociedade sob o olhar atento e desassombrado de um cineasta do quotidiano, um iconoclasta moderno, sem peias, sem tabus, sem preconceitos.
segunda-feira, junho 23, 2008
A surpresa!!!
Sandra nadou, nadou e mostrou-me todos os recantos daquele mar paradisíaco. Os corais lindíssimos, os peixes coloridos como que convivendo connosco sem alarmes, sem preocupações de qualquer espécie. Depois, deitou-se na areia quente e olhando fixamente para mim disse:
__Há uma semana aqui sozinha, desesperada, agarrei-me às orações que já não rezava desde miúda. Pedi a Deus uma companhia, alguém que me pudesse ajudar a partilhar esta solidão imensa e a desfrutar o que de bom até poderá ter esta ilha tão bela. Vieste tu, foi uma resposta às minhas preces!
__Como é possível? Eu estava na guerra em Angola, tinha ido executar uma missão por ordem do capitão Estevens, o comandante de esquadra, lá na Base aérea número nove, em Luanda. Fui abatido por um míssil e o avião caíu tendo eu saltado em pára-quedas...
__Tu estás enganado! __ disse ela com ênfase. __ Estamos em 2008, a guerra em Angola já acabou há muitos anos. Angola é independente!
__Não é possível!!! Ainda ontem tive uma discussão com o Catalão, o sobrinho do general Simão Portugal, eu dizia que a independência de Angola era uma opção válida e uma forma de evitar o prolongamento da guerra. Ele dizia que era impossível a independência de Angola. Até nos chateámos por causa disso! Ele quase que me chamou comunista!
Sandra contou-me tudo desde o ano de 1970 até ao ano de 2008. Eu quase nem acreditei! A revolução de Abril, o fim de guerra do Vietename, a guerra do Golfo, a guerra do Iraque, toda uma série de acontecimentos que eu desconhecia por completo!
Disse-me que tinha sido realizadora de cinema e que adoraria contar esta aventura que estava a partilhar comigo. Pediu-me dados sobre a guerra de Angola, sobre as motivações, as dúvidas, os conflitos geracionais, enfim, todo um conjunto de dados importantes para se enquadrar melhor naquele cenário bélico.
Na medida das minhas possibilidades fui-lhe fornecendo a minha perspectiva. A posição do general Norton de Matos, o papel de Manuel Alegre, a censura e a PIDE/DGS actuando como guarda pretoriana do regime. O papel ambíguo dos EUA apoiando Portugal na ONU mas dando também apoio bélico aos movimentos de libertação (UNITA de Savimbi e FNLA de Holden Roberto). Ela não ficou espantada. Contou-me que situação igual se tinha passado com a guerra Irão - Iraque em que os EUA apoiaram o Iraque, mas, por questões comerciais, também apoiaram o Irão...
Passámos noites a conversar, a desfrutar aquele calor tórrido mas retemperador. Ela era fogosa e tagarela, eu, mais comedido, mais calmo, ia a reboque das sua investidas... Tive que a compensar dos longos momentos de solidão que foi obrigada a passar antes da minha chegada...
Construímos um abrigo feito de folhas de palmeira e troncos de bambu. As lianas foram usadas como fio de ligação, à falta de pregos.
Nos intervalos das conversas nadávamos, nadávamos. Peixes em abundância, a fome nunca foi problema. A pescar era o nosso passatempo favorito. Às vezes, para me animar, ela sorria e dizia com ar voluptuoso: «Tu Tarzan, mim Jane!»
Eu não sorria. Estava à espera de ser considerado desertor da guerra colonial. De ter uma brigada da PIDE a entrar por aquele imenso areal e dizer assim: «Está preso por ter desertado!»
Mas, como ela afiançava que já estávamos em 2008...
(Continua)
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