O carnaval presta-se a tudo. Há como que uma descompressão que liberta, dá asas à imaginação, cria uma euforia que contagia tudo e todos. Essa folia desmedida é propensa à alienação (no sentido de alheamento da realidade) e ao ocultamento de coisas realmente importantes, fazendo sobressaír coisas menores. Dizem que é um mal necessário. Temos que saber rir de nós próprios. É saudável, é legítimo. Mas não podemos perder o pé...
Também há que analisar certa mensagem subliminar que tende a exaltar o vício como se fosse a única coisa realmente importante. Há que ter a noção da relatividade das coisas. Há que saber dosear o excesso para que não seja um narcótico alienante.
Vemos em certos locais o culto de figuras com tiques tiranizantes a aparecerem nesta altura como autênticos símbolos populares, quando são, de facto, opressores e caciques liberticidas...
Mesmo nas homilias dominicais há padres que nunca falam da corrupção, da injustiça social resultante de uma concentração de meios financeiros nuns poucos, gerando um pauperismo degradante na grande maioria da população. É mais fácil ouvir comentários sobre notícias do jet set, sobre as novas protuberâncias mamárias da Floribela, sobre as férias do Sarkozy, do que sobre as delapidações do Jardim (ao JM ou ao Diabo, sobretudo), ou os escândalos na banca.
Há toda uma cultura propensa a secundarizar o que é realmente importante, para enaltecer a banalidade, a futilidade, a fofoca pura e simples. Dantes falava-se nos três F's, mas agora esses três F's têm contornos mais sofisticados: Fofocas, Futilidades, Facadas no matrimónio dos famosos...
Há canais e programas de TV que são obsessivos nessa campanha alienatória. É o cor-de-rosa a tentar ocultar o lado negro da sociedade: exploração, desemprego, custo de vida, saúde de rastos, justiça só pra ricos, criminalidade de colarinho branco sempre impune, etc.
Já não há homens como D. Óscar Romero de El Salvador. Nas suas homilias atacava a corrupção e os escândalos que eram a causa da miséria e injustiça social. Foi morto em plena missa. Assassinado pelos mandantes de então.
Agora que vemos? Padres a falar de futebol, de telenovelas, de futilidades do jet-set. Passam (calculisticamente) ao lado da exploração laboral, das falências fraudulentas que lançam para o desemprego milhares de cidadãos, dos furtos ao erário público praticados pelos senhores fulanos de tal que vêm depois, sempre «de consciência tranquila», dizer que é tudo legal, tudo transparente, tudo apenas «vícios processuais» de pequena monta...
Era a «urgência» que levou a entregar a empreitada X ao senhor Y, sem concurso público, foram as tais «obras a mais» que apareceram sem ninguém esperar...
E com este chico-espertismo lá vão milhares de euros para os bolsos de meia dúzia que depois até se dão ao luxo de serem mecenas da bola, do ciclismo, das viagens ao Brasil...
Cambada de corruptos que são alimentados pelo sistema (esse biberão gigante), dando azo a que os que os apoiam (os turibulários, os cipaios, os sicários...) também mamem (embora menos...) do erário público alguns pingos de vil metal.
Quem critica, honra seja feita aos jornalistas íntegros, aos escritores não vendidos, aos professores com elevação cívica e pedagógica, aos cidadãos interventivos em geral, chamam «maledicentes», «invejosos»...
O «Rei momo» lá vai, cantando e rindo, louvado, louvado sim, na pele , o povo sentindo os desmandos de tanto «jardim»...
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