Camilo e Ana Plácido (João Reis e Catarina Furtado...) uma dupla fantástica que recordou o inolvidável escritor e a saga amorosa que protagonizou...
__Senhor Camilo, tenha mais siso!__ disse o padre Cícero, o seu companheiro de mesa na Estalagem das Pulgas. __Abandone essa senhora sem demora. Está no caminho do pecado!
___Estamos no caminho de Santiago, essa é que é a verdade !__ retrucou Camilo, cofiando a bigodaça e emborcando uma caneca de tinto escarlate como sangue, típico da região dos vinhos verdes...
__Tenha maneiras, senhor Camilo! Não brinque com coisas sérias!__ insistiu na sua o bondoso padre Cícero. __Olhe que a cidade do Porto está toda contra si!
__Olhe padre Cícero, o Porto tem tantos beatos e hipócritas como pulgas tem aqui esta Estalagem. Não ligo a safadezas burguesóides, não alinho pelo diapasão dessa sociedade velhaca e impostora que só vive de aparências! Eu sou um homem livre e libertário! quero dar um exemplo de liberdade, quero libertar aquela jovem, a minha Aninhas, do jugo maquiavélico daquele canastrão! ela merece outro futuro! abaixo a canga matrimonial forçada!
__Mas é preciso temor de Deus e respeito pelas normas de conduta social. A sociedade não é
uma selva, nela é que os animais fornicam à vontade e não têm regras. O senhor mais parece um animal no cio, escravo dos seus instintos, da impureza da carne, do que um escritor prendado nesta sociedade moderna. O senhor dê-se ao respeito! Respeite a Santa Madre Igreja, os sacerdotes, as freiras, o catolicismo, essa força que liberta os homens do jugo chamado instinto!
__Eu devo andar em contramão, senhor padre! a Igreja é uma aliada da escravidão, ela está divorciada dos sentimentos, das palpitações do coração, ela é pelo jugo conjugal até à eternidade! Ao perfilhar esses princípios o casal sentir-se-á como um junta de bois debaixo da canga! Ana Plácido merece liberdade, merece ser tratada com meiguice, com amor autêntico, ela não é uma alimária doméstica!... O senhor seu marido faz dela uma coisa de sua propriedade, um objecto de uso doméstico!... Nem sequer é objecto de estimação... mas de fornicação apenas!
O padre desta vez sorriu com ironia. Coçou ligeiramente a anca e sentenciou:
__Numa coisa eu lhe dou razão! Não sei se há muitos beatos ou hipócritas lá no Porto, mas que há um exército de pulgas aqui entrincheirado nesta Estalagem, isso há, sinto-o com eloquência!...
Ambos sorriram com prazer. Um caneca de verde tinto, com aquela cor de sangue puro, mais o belo chouriço assado na brasa, foi o suficiente para se aplacarem os ânimos até aí um pouco exaltados... O selo da longa amizade permanecia incólume apesar das contradições ideológicas e vivenciais...
Lá fora chovia a cântaros. Os animais abrigados da intempérie também se iam desforrando no feno tenrinho e saboroso. Ao longe ia subindo as escadas aquele casalinho ternurento que andava em viagem de núpcias. Recolheu mais cedo ao leito. O sol já há muito tinho ido para os braços de Morfeu...
Junqueira, essa continuava a sua lide. Cães latiam, quais alarmes atentos e vigilantes, mostrando aos ladrões que a terra tinha dono. A chuva, essa não parava de enlamear os caminhos de terra batida cada vez mais lamacentos por causa das caravanas de almocreves...
Na igreja, o sino, pachorrenta e religiosamente, dava as horas... greve não era com ele...
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