domingo, julho 27, 2008

Napoleão Bonaparte, lui même!

R. de B. - Então como se tem sentido do estômago ultimamente?
N.B.- Meu caro Rouxinol, agradeço o teu contacto e a oportunidade que me dás para corrigir a História. Quanto ao meu estômago, agora anda lindamente, nunca mais me deu dores de cabeça... nem de barriga...
R.B.- Que mensagem quer transmitir ao mundo actual?
N.B. - Em primeiro lugar que se cuidem com os Napoleões que por aí pululam. Agora que deixei o meu corpo físico é que aprendi a essência das coisas. Aquela mania das grandezas, o desejo de ficar na História foi a minha perdição, a minha doença...
R.B.- Não será autoestima em baixo? O senhor, um grande imperador, a recriminar-se?
N.B.- A História há-de registar muitos mais casos de patologias semelhantes à minha, infelizmente. Tudo começa na escola. A gente quer ser líder, quer afirmar-se, quer impôr-se aos outros , e depois, vai por aí fora atropelando tudo e todos, enfim, uma catástrofe completa...
R.B.- É essa a ideia que faz de si?
N.B.- De mim e de todos os loucos que andam a enxamear este mundo terreno. Veja agora o Bin Laden, o Robert Mugabe, pessoas completamente alienadas, afirmando-se e impondo-se pela força das armas e de loucuras colectivas, enfim, autênticas pandemias «A la Napoleon»!...
R.B.- Mas considera-se um louco?
N.B.- Louco e perigoso. Eu fui um demente em elevada escala. Servi-me de um povo corajoso, bom e pacífico para impôr um belicismo patológico, uma megalomania dementada, um expansionismo completamente descabido. Quis ficar na História como um conquistador, um líder incontestado, mas fui apenas um ditador violento, um congregador de vontades que moldei à minha imagem exacerbada, juntei «pequenos napoleões» dizendo-lhes que iriam ficar na História, que todos os familiares e conterrâneos se orgulhariam deles para todo o sempre, enfim aquelas patetices que dizem agora os treinadores de futebol antes das grandes provas europeias ou mundiais e que levam os atletas a comerem a relva, como se diz na gíria... aliás há quem considere o desporto como um sucedâneo (positivo) da guerra, servindo para esbater conflitualidades e exacerbamentos chauvinistas. Uma espécie de metadona para com a heroína!
R.B.- Acha-se como se fosse um treinador de atletas militares?
N.B.- Eu fui de tudo um pouco: arquitecto de grandes ideias, engenheiro de batalhas gloriosas, motivador de almas, galvanizador de projectos, mentor de crimes hediondos até, de sanguinárias pilhagens e de violações sistemáticas aos direitos dos povos.
R.B.- Está numa de arrependido?
N.B.- Agora, pairando acima dos humanos, vendo os seus defeitos, contemplando as mentes reinantes à face da Terra, eu, olhando para o meu passado, posso fazer um juízo de valor mais objectivo e mais fundamentado. Tenho a sabedoria que então me faltava. Sou um mestre na arte de pensar. Sou a sabedoria no seu estado mais puro... O tempo, esse divino professor, ensinou-me tanto... Está na hora de transmitir essa sabedoria aos viventes!
R.B.- Posso dizer que não tem orgulho no que fez?
N.B.- Claro que não tenho orgulho em ter lançado para a morte tantos inocentes para saciar a minha megalomania! Guerras e mais guerras para mostrar que era o maior do universo, o mais temido, o mais poderoso? Eu fui para todos os efeitos um génio do mal, uma pessoa alienada e obcecada com a glória, com a imortalidade, com o poder pelo poder... Não tenho orgulho nisso.
R.B.- Revê-se nalguém em particular em Portugal no momento presente?
N.B.- Seria falta de humanidade esconder essa realidade e não a divulgar. A minha doença está estampada no rosto de alguns, sem dúvidas. Olhe para o Jardim, da Madeira, veja aquele ar obstinado, sempre a clamar razão, sempre dizendo-se vítima disto e daquilo: o «sistema», «Lisboa», as «máfias»... O homem usa este estratagema para transmitir aos subordinados a seguinte mensagem: "Os ódios e os perigos que se abatem sobre nós são tantos, que sem mim, vós perecereis. Sem mim, será o dilúvio, o caos! Daí a imperiosidade da minha permanência no poder para vos defender dos malefícios dos «cubanos do continente», dos «ladrões da autonomia»... eu sou Deus, sou o escudo invisível, sou o Divino Salvador
Depois, aquela obsessão de se colar ao poder até à morte, é típica dos que têm a minha doença em grau extremo. Julgam-se (como eu honestamente me julgava também...) imprescindíveis, eleitos por Deus, pessoas com o destino traçado para serem líderes, enfim, «vacas sagradas» no pior sentido do termo. Já fui uma «vaca sagrada» e sei o quão ridículo isso é... Quero iluminar os que estão no exercício do poder para a caricatura que representam!
R.B.- Mas em termos clínicos a sua doença já está diagnosticada ou não?
N.B. - É claro que se Jardim entrasse no consultório de um psiquiatra com um chapéu como o que eu usava, mesmo sem dizer nada, só olhando para o seu aspecto, o médico mandava-o internar para sempre. Contudo, essas pessoas disfarçam lindamente: começam por chamar «loucos» aos outros para que ninguém repare na sua profunda alienação, desviam a atenção da sua patologia com obras, obras, obras, como que a dizerem «se eu fosse louco nunca faria estas obras todas, os loucos nada fazem!», esquecendo que as obras são feitas por tanta gente que a sua quota-parte é ínfima, limitam-se a inauguar e pouco mais... Estas patologias «napoleónicas» empurram-nos para obras «faraónicas» às vezes só para encher o olho e sem grande alcance prático para as populações... Tudo manobras de diversão para ocultar a tal patologia...
R.B.- Mas em Portugal, com a sua doença, há mais gente?
N.B.- Tantos, meu caro Rouxinol, que gastaria os dedos das mãos e dos pés para os enumerar a todos. Eles andam por aí, todos os dias a imporem o seu já saturado e fastidioso rosto numa comunicação social abjecta que passa a vida a endeusá-los, esquecendo o povo. Eles andam em bicos de pés nas inaugurações, nas feiras, nos eventos mais díspares, às vezes feitos à medida dos seus caprichos e não das necessidades reais das populações. Esses napoleões são a grande praga de Portugal no momento, não querem admitir a rotatividade nos cargos, agarram-se aos tachos como lapas às rochas, passam a vida a coleccionar cargos aqui e ali para depois os exibirem como «curriculum» em actos eleitorais que mais não são que passadeiras vermelhas onde circula, cheio de prosápia, o ego idiota dessas criaturas insaciáveis... Essa ânsia patológica de rechearem os «curriculuns» faz lembrar Estaline e seus sequazes com o peito repleto de medalhas e a alma cheia de crimes hediondos! Querem poder, mais poder, mais poder, para o exibirem, o ostentarem, se banquetearem com ele até à morte. Incapazes de um gesto de humildade, incapazes de darem oportunidade aos jovens, aos que nunca tiveram oportunidade de executarem obras com os dinheiros públicos, acusam-nos de «nada fazerem», de serem «parasitas», «incapazes», etc, etc. Isto passa-se em todos os quadrantes, desde a Esquerda até à Direita. Há «jardins» para todos os quadrantes ideológicos neste Portugal de hoje. Enfim, sinto que a minha doença se perpetuou e ganhou foros de pandemia... Portugal é um pasto gigantesco de vacas sagradas desde patamares culturais, jornalísticos, desportivos e políticos que nem sei que lhe diga, Rouxinol! Devia haver mais rouxinóis e menos vacas!...

R.B.- Estou estupefacto, meu caro imperador. Nunca esperei tal coisa. Que mensagem quer deixar a esses doentes? Será que são curáveis?!

N.B.- Que leiam e releiam as minhas palavras. Que meditem nas suas capacidades intrínsecas e façam este raciocínio: «Será que o abuso no pedestal do poder nos vai marcar perante os vindouros? Será que iremos ficar na História como imperadores, caudilhos e não como democratas, homens do povo? Será que temos capacidade realizadora fora do comum, ou é o dinheiro público que está na base das obras? Será que estamos a chamar a nós capacidades e méritos que mais não são do que esforço colectivo, sacrifício da colectividade, fruto do erário público?»

Então, depois de meditarem, talvez não queiram continuar a assumir o odioso de serem «napoleão», «imperador»,«vaca sagrada», «lapa na rocha»... Mas a doença é terrível, ninguém contaminado por ela, é capaz de admitir possuí-la. Esse é o grande mal! Essa é a grande perdição da humanidade!

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