Uma guerra é uma forma de cultura. É a política no seu desespero. Apela à ignorância e ao desprezo pelo pensar.
A série televisiva que Joaquim Furtado apresentou (vem apresentando) é deveras impressionante e mostra à saciedade os dois lados da barricada: o lado do colonizador e o lado do colonizado....
Quem não presenciou o teatro de guerra não pode imaginar sequer todo o pano de fundo em que se desenrolou o conflito(guerra da libertação para "eles" e guerra colonial para "nós"...). Há todo um contexto histórico que deve ser colocado a quem faz esta análise. A história do passado africano cheio de abusos e de explorações. A história de um auxílio internacional, inserido num contexto de "internacionalismo proletário" então vigente na ex-União Soviética, visando a libertação de povos vítimas de colonialismo. O papel duplo e oportunista dos americanos neste cenário de hipocrisia.
A série está bem montada e mostra com frieza as partes em confronto. Os casos de "heróis" como Marcelino da Mata, Mamadu Baldé (africanos que deram tudo pelo "nosso" lado...) são dignos de ponderação profunda. O caso de Robles, um "heró" nosso, que ultrapassou todos os limites da decência, também é digno de realce. O massacre de Wyriamu (em Moçambique, sob a tutela do então general Kaulza de Arriaga) é algo de aberrante e talvez uma das causas do comportamento bárbaro dos indígenas contra as populações europeias.
O tema daria pano para mangas. As atitudes mais indignas perpetradas por alguns de "nós" eram abençoadas pelo poder vigente. Quem tecesse algum comentário, por ligeiro que fosse, era
logo apodado de falta de adaptação, de "loucura", de falta de "senso". Aqueles que despudorada e de forma desumana violavam a convenção de Genebra eram enaltecidos e condecorados para servirem como exemplo. Uma guerra sem um resquício de dignidade, sem uma plataforma de racionalidade, sem perspectiva histórica da parte do poder vigente.
Paralelamente a este arbítrio e a esta falta de princípios havia o interesse economicista de uma elite, colada ao poder, manipulando os órgãos de comunicação social e os intelectuais mais proeminentes conduzindo para um abismo irreversível um conflito que poderia ter outra condução, outro desenlace.
Ocorre-me sempre recordar o papel de Manuel Alegre.
E porquê?
Tal como hoje, mantém uma postura serena e altiva, não abdicando de princípios, não hipotecando a honra a razões eleitoralistas ou de mediatismo oportunistico. Ele tinha uma visão histórica sensata, inteligente e útil para ambas as partes. Ele queria evitar o cenário que desembocou no massacre e na guerra fratricida. Foi vilipendiado, ultrajado, acusado de tudo e de mais alguma coisa. Quem se revia nos seus conceitos (independentemente de agir ou não) era considerado "cobarde" ou "louco" pelos autênticos "loucos" que geriam de forma leviana e estulta o teatro das operações.
Os "heróis" de então (Robles & Companhia) eram o paradigma moral por excelência, o suprasumo, a excelsa virtude. Pensar por outro diapasão era "crime", era "alienação", era "tolice". Mas houve quem conseguisse continuar na crista da onda, mesmo depois do 25 de Abril entrando furtivamente no autocarro do poder. Autênticos criminosos viraram "heróis de Abril"!Desses, a reportagem de Joaquimn Furtado não fala... mas devia fazê-lo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário