sábado, fevereiro 13, 2010

Entrevista com a República



Ela vinha esplendorosa na sua túnica branca imaculada onde sobressaíam uns seios fazendo lembrar as estátuas gregas do Paternon; a balança indecisa, mesmo ao centro (onde se julga morar a virtude) era a sua imagem de marca. Os seus lábios vermelhos, o seu cabelo aureolando um rosto sem mácula, tudo isso era uma tentação. Pensei cá com os meus botões: «andam para aí uns idiotas a quererem dar-lhe o rosto da Amália Rodrigues, por quê e para quê?»
Perguntei-lhe à queima roupa: __Dizem que o rosto da Amália Rodrigues era mais adequado para si... ao seu perfil.
Respondeu de chofre: __ O Fado está na origem de muita coisa positiva mas também de muito negativismo nacional. Não concordo com o rosto da Amália a personificar a República. O nosso fado tem sido o fatalismo nos momentos mais tristes como o da hora presente.
__Que acha da hora presente, Dona República?
__Que acho? Ainda perguntas, rouxinol?! A comemorar o meu centenário e assistir a estas cenas patéticas à volta do primeiro ministro e suas marionetas?! Isto não é digno de uma República que se preze; então assistir àquela cena tão delicodoce da ex-namorada com aquele texto «j'accuse!» pretendendo lançar anátemas sobre a justiça que alegadamente estaria a decapitar o seu mais-que-tudo e, afinal, vemos que a tal justiça está curvada, de cócoras perante o dito cujo!
E eu que pensava ser a justiça uma sósia minha, a República no grau mais puro e imaculado, verifico agora, perante relatos do SOL e outros sóis mediáticos, que de facto ela se prostituíu ao poder de forma desbragada, impúdica, oportunística..
__Mas, dona República, a justiça não é parecida com a vossa imagem?
_Tomara eu que fosse uma imagem pálida, mas não, não é. A justiça é uma megera ambiciosa e calculista. A justiça usa a censura e a opacidade para suportar quem detém os cordelinhos do poder. É rasca, vendida, completamente enfeudada aos reizetes que nos querem achincalhar...
__Mas a República tem ao menos boa conta do Presidente, um homem vertical, impoluto, sem mácula!..
_Tomara eu que assim fosse__ desfez-se em lágriams a criatura...__ neste contexto tão negro, nesta noite de breu, ele, parece não ver ou finge que não vê. Assobia para o ar, talvez recordando aquele triste episódio da última campanha eleitoral em que deixou usar o seu nome durante tanto tempo e só mais tarde, tarde de mais, veio dizer que nada tinha a ver com aquela palhaçada, que quem falou não tinha credibilidade para o fazer, enfim, conversa piegas que em nada abonou a sua isenção, o seu carácter; falou já tarde demais e de forma ambígua e sinuosa, mais parecendo uma enguia do que um cherne autêntico, que todos devem admirar e seguir sem reservas...
__Dona República, então em quem confiar, neste momento, Portugal está órfão de tudo e de todos, o regular funcionamento das instituições exige uma presença firme, autêntica, um referencial de idoneidade! Onde o encontrar?!
_É preciso ter fé, a democracia mais tarde ou mais cedo vai corrigir as entorses, os abusos, as vilanias, a liberdade de imprensa é fundamental. Neste momento a VISÃO que tenho é muito má, paupérrima, só vejo trambiqueiros arvorados em administradores de grandes empresas, mais parecendo jagunços do milieu do que homens de carácter, homens verticais, homens dignos. Dou os meus parabéns à equipa do SOL por esta atitude de coragem, de seriedade, de vigor democrático. Seguir o cherne já passou de moda, agora, até ver, há que seguir o SOL!
__E se a justiça o eclipsar?
__Há que eclipsar esta justiça ainda na treva, ainda no obscurantismo patológico. Esta justiça deverá ser requalificada, como se faz às zonas degradadas das cidades...

4 comentários:

Rui disse...

Amigo rouxinal.
Esta entrevista em "exclusivo", foi um autêntico "Furo jornalístico" !
Excelente e delicioso diálogo, com perguntas pertinentes e a entrevistada a não tentar "dar a volta" às respostas.
Parabéns.
.

Laura disse...

Ah, mas como chegamos lá, à idoneidade, à palavra séria, honrada, ufa, isso já nem existe...Não há ninguém para ocupar o lugar , ninguém que saiba fazê-lo, e que puxe para o bem de todos, o bem do Povo, cada um a trabalhar e a ganhar, ah, coisa linda, para quando isso?
Gostava tantod e ver aminha gente, feliz, sem fome,s em medo, e com trabalho, enfim...beijinhos e um fim de semana bom, laura

José Leite disse...

Rui da Bica:

O mérito foi «dela» não meu...

José Leite disse...

Laura:

A República sente-se aviltada com o que vê e com os que em seu nome vão ditando as regras neste país de reizetes...

Só falta ela surgir de vassoura em punho e começar a varrer tudo a eito!...