segunda-feira, agosto 20, 2007

AUDIÊNCIA A BENTO XVI!


Bento XVI disse então: "Rouxinol, tu és capaz de ter razão!..."
Ir a Roma e não ver o Papa era inaceitável para mim. Seria algo de que me iria arrepender para o resto da vida. Assim, pensando nas indulgências a receber por mim e por minha família, lá fui a Castelgandolfo, residência de férias de Sua Eminência o papa Bento XVI.
O primeiro objectivo era apenas uma bênção informal. Mas, por extraordinário que pareça, as coisas proporcionaram-se de forma diferente. Confundiram-me com uma alta individualidade que estaria para ser recebida nesse dia e fui convidado a entrar...
De sorriso aberto, ar confiante, lá fui ao encontro de Sua Eminência o Santo Padre. Ao entrar nas instalações, como que por encanto, levantou-se uma brisa forte e completamente inesperada pois o dia estava calmo, muito quente e sem ponta de vento. Seria algo de sobrenatural?!
Não sei. O certo é que fui recebido como se fosse uma autêntica sumidade, uma figura de proa no actual contexto multi-religioso, diria que, quase um "guru" do ecumenismo!
Eu, um pobre diabo, pouco temente a Deus e pouco dado a liturgias e a manifestações ostensivas da fé, ser recebido assim, era estranho. Estranhíssimo!...
__Muito obrigado pela tua aceitação do meu convite!__ disse o papa!...
__ Mas eu... __ balbuciei temeroso e confuso... e não era para menos.
__ Não sejas modesto. Agradeço a tua contribuição para a renovação da Igreja. O primeiro passo, esta abolição do Limbo, foi graças a ti, que reconheço teres dado um impulso muito clarividente. Deves ter tido uma inspiração divina.
__ De facto... __ prossegui timorato e meio enrubescido pelo elogio __ eu pensei sempre que o Limbo tinha sido uma espécie de "exclusão de partes", uma coisa sem nexo nem cabimento...
__ Sim, Rouxinol de Bernardim__ disse Bento XVI com ênfase __ não tinha qualquer razoabilidade lógica nem cabimento doutrinário minimamente credível tal estatuto. O meu comité de sábios, vocacionado para estes temas mais controversos, acabaria por te dar razão, daí eu ter mandado abolir esse conceito de Limbo...
__ O pior __ disse eu __ é que tive um sonho...
__ Conta lá, Rouxinol, conta lá! __ disse o papa com um gesto apelativo irrecusável, abrindo os braços e com o cabelo completamente desgrenhado pela forte ventania... olhava-me com um olhar magnético que jamais olvidarei... Então, prossegui relatando o sonho:
__ Sonhei que virá um outro papa, conhecido pelo nome de Racional, que abolirá os conceitos de Céu, Inferno e Purgatório!
__ Mas... será possível?! Isso para já não tem cabimento!... __ disse quase colérico.
__ Vossa Eminência sabe que tanta coisa não tinha cabimento há centenas de anos e agora é tão natural, "tão natural como a sua sede"... daí que, não sei se este sonho será de inspiração divina, uma antecipação do futuro. Quem sabe se no sonho Deus quis dizer que tudo são parábolas, metáforas, coisas pedagógicas para fins específicos em determinados contextos...
__És capaz de ter razão, Rouxinol! Não quero que a glória de decretar essa extinção caiba a um outro papa. Vou estudar o assunto e prometo fazer o melhor que for possível. De facto já tinha pensado nisso. Este conceito de "céu" como o vêem os muçulmanos (com as virgens e coisas do género, tem sido altamente pernicioso), talvez os caminhos do futuro sejam esses, de facto. Deus é capaz de se ter servido de ti para transmitir uma mensagem moderna e realista.
__ Eu nada sei__ disse eu com humildade. __É apenas um sonho e relato o que me foi transmitido, com as devidas reservas e a cautela indispensável. Não sou nem me sinto um profeta. Sou apenas um bom condutor de mensagens e de ensinamentos. Tenho tantas limitações, tantos pecados, tantas fragilidades...
__É nessas pessoas como tu que a palavra de Deus penetra com mais fulgurância! Vou pensar na abolição desses conceitos. Vou pedir ao colégio de sábios que veja a melhor forma de resolver já a situação, para que recaia sobre o meu papado o honroso epíteto de "Racional", com que a História há-de premiar quem chegar a essa conclusão tão positiva e sensata.
Dito isto, o papa como que se volatilizou, os cabelos ficaram mais eriçados ainda e um barulho enorme e ensurdecedor acompanhou esta transfiguração...
O vento, naquela noite, tinha sido fortíssimo. O temporal teimava em não amainar. Próximo da janela do meu quarto, uma floreira caíu, e o enorme vaso de flores estatelou-se no solo com fragor. Então, acordei do sonho...

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