quinta-feira, janeiro 26, 2012

NOTÍCIA IMPROVÁVEL...ACTO DE CONTRIÇÃO!

Ele foi à televisão e dispôs-se a falar aos portugueses. Já há muito que não o fazia. A crise era profunda e todos se queixavam das políticas restritivas que conduziam à recessão, à miséria, ao pauperismo coletivo. Ele sentia-se perturbado, ele, o «provedor do povo» como se vangloriava nos seus discursos gongóricos, discursos cheios de nada, onde a jactância e a presunção supriam a falta de objetividade e clareza, sentia-se humilhado pelo estado a que o país chegara.
Os credores internacionais recusavam o perdão de parte da dívida, os submarinos já tinham ido para a China a troco de um prato de lentilhas, o 13º e 14º mês tinham sido extintos. O cinto não podia apertar mais. Otelo, na sombra, ia dizendo que o limite ainda não tinha sido atingido... mas toda a gente suspirava que ele desse o golpe de misericórdia ao regime. Regime corrupto, regime putrefato, regime ominoso.

Então, num assomo de coragem e de dignidade, ele foi à TV. E falou assim:

Portugueses,
Sei que só um cretino ou um pedante é que dirá que nunca se engana ou não comete erros. Eu não sou assim. Eu errei e quero penitenciar-me perante vós.
Neste momentio de grave crise, onde a fome impera e deixa marcas em todos os segmentos da sociedade, onde vemos professores a assaltarem bancos e médicos a roubarem supermercados, advogados a matarem clientes, economistas a assaltarem hospitais e misericórdias, onde a necessidade aguça todos os engenhos, eu, humildemente, confesso que não agi bem. Como economista, consciente e bem formado, nunca deveria ter aceitado aquela dádiva do presidente do BPN. Sim, estando o banco em crise profunda, não era racional nem economicamente correto pagar as acções da SLN ao preço a que ele mas pagou. Aquilo foi demais. Diz o nosso povo, com carradas de razão, «quando a esmola é grande o pobre desconfia». Eu devia ter desconfiado. Mas nada fiz para rejeitar aquele bodo envenenado e cheio de subreptícias intenções.
Por isso, caros amigos, chegou a hora de devolver aquelas mais valias com cheiro pestilento a favor ou coisa similar. Não quero mordomias que me pesem na consciência. Não quero fardos morais, numa altura em que o fardo da crise pesa, e de que maneira, sobre todos os portugueses.
Por isso entreguei ao senhor cardial patriarca aquelas mais valias a fim de serem distribuídas pelos mais carenciados.
E faço mais: apelo a todos aqueles que tiveram lucros chorudos com os negócios aberrantes daquela instituição, que façam o mesmo que eu. É nestas horas que se vêem os amigos, é nestas ocasiões que se vê o amor à pátria, é nestes momentos difíceis que se vê quem tem coração.
Os verdadeiros estadistas medem-se por estes gestos simples mas carregados de significado patriótico.
Nota final: No seu túmulo Camões escreveu um soneto elogiando este gesto nobre e sublime. Também Saramago, escreveu um novo Ensaio sobre a Cegueira. Camilo, rasgou «A queda de um anjo» e escreveu, lá no túmulo, «A ressurreição de um anjo»...

P.S.: Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência. Isto é uma falsidade completa.Enfim, num momento de loucura todos temos o direito de errar. Errare humanum est!

7 comentários:

Pena disse...

Notável e Extraordinário Amigo:
Um texto divinal. Tem carácter político com aquela grandiosidade irónica merecida.
O sarcasmo perfeito da classe dominante e no poder.
Enfim, é genial, talentoso e admirável.
Escreveu ou pesquisou com aquela magia que só você faz de imensa preciosidade e gigantesco espanto, repleto de veracidade e autenticidade. De verdade.
Excelente, fabuloso e enorme amigo.
Abraço de respeito ao seu ser grandioso e sublime em tudo o que faz e faz bem. De significação apuradissíma.
Sempre a admirá-lo no que concebe de deslumbrar.
Agradecido pela fantástica visita expressa com pureza e maravilha no meu blog de forma genial e eu adorei.
Já tinha saudades da sua magia, talento e génio e preciosismo, acredite?

pena

É perfeito no que constrói.
Bem-Haja, amigo.

Cisfranco disse...

Simplesmente fantástico!
É sempre um prazer visitar o seu blog.

Yasmine Lemos disse...

Texto reflexivo e muito bem escrito.Obrigada pela visita
abçs!

Palavras disse...

Muito bom!
Texto muito bem elaborado.

Abraços

lis disse...

Gosto de vir ler seus textos com viéz irónico rs
tempos superáveis, eu quero crer ... rs
abraços Bernardim

Daniel Costa disse...

Rouxinol de Bernandim

A verdade, no caso, ultrapassará a ficção da interessante e judiciosa cronica.
Um abtaço

Zé Povinho disse...

A fotografia também saiu enganada...
Muito bom o texto.
Abraço do Zé