Às vezes pergunto a mim próprio se a gratidão pode ser uma antecâmara da corrupção. Se o ser grato e defender um amigo a quem se devem favores, mesmo sabendo que ele é um traste, não será uma forma de o afundar ainda mais. Ser grato tem limites.
Conheci há muitos anos um empreiteiro que me contou o seguinte:
« Estive o mês passado na Suíça e comprei três relógios de ouro, para oferecer a tres amigos. É uma oferta que funciona como gratidão e como investimento.»
Com cuidado fui desfiando o fio à meada e ele foi-se abrindo. Um era para o presidente da câmara local a quem devia favores e esperava continuar a ter nos seus negócios. Outro era para o juíz presidente do círculo judicial onde ele exercia as funções de perito na sua actividade específica.
O terceiro era para o chefe da repartição de finanças da sua localidade a quem também devia favores...
Já não pertence ao mundo dos vivos esta criatura. Mas a estória assenta que nem uma luva a muitos «agraciadores de pacotilha»invocando a gratidão para fazerem tudo e algo mais...
Gratidão sim, mas dentro da decência e do escrúpulo. Eu, se tiver um amigo que comete graves delitos, infamentes e vergonhosos, afasto-me dele, faço-lhe sentir a minha repugnância pelos seus actos. Não lhe digo:« estou e estarei sempre ao teu lado pelos favores que me fizeste, sou grato, imensamente grato».
Esta gratidão prova falta de isenção e de carácter, de rigor, de credibilidade. Um indivíduo destes não pode ser juíz, não pode ser um árbitro... não passa de um pulha igual ou pior que o amigo que defende com unhas e dentes... Não pode ser um perito avaliador. Falta-lhe ética, escrúpulo. Sobra-lhe em gratidão o que lhe falta em dignidade!
2 comentários:
Muito bem! Subscrevo totalmente. É assim que eu sou também.
Assim é de facto. Parece ser uma posição ingrata "desligar o interruptor" de um "amigo" porque é corrupto. Mas numa relação de amizade, mesmo sem compromisso sério, não pode haver transigências para comportamentos deste tipo.
Seria interessante classificar o comportamento dos prendados. Por certo aceitaram os clocks. Né?
Abraço
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