
Os credores internacionais recusavam o perdão de parte da dívida, os submarinos já tinham ido para a China a troco de um prato de lentilhas, o 13º e 14º mês tinham sido extintos. O cinto não podia apertar mais. Otelo, na sombra, ia dizendo que o limite ainda não tinha sido atingido... mas toda a gente suspirava que ele desse o golpe de misericórdia ao regime. Regime corrupto, regime putrefato, regime ominoso.
Então, num assomo de coragem e de dignidade, ele foi à TV. E falou assim:
Portugueses,
Sei que só um cretino ou um pedante é que dirá que nunca se engana ou não comete erros. Eu não sou assim. Eu errei e quero penitenciar-me perante vós.
Neste momentio de grave crise, onde a fome impera e deixa marcas em todos os segmentos da sociedade, onde vemos professores a assaltarem bancos e médicos a roubarem supermercados, advogados a matarem clientes, economistas a assaltarem hospitais e misericórdias, onde a necessidade aguça todos os engenhos, eu, humildemente, confesso que não agi bem. Como economista, consciente e bem formado, nunca deveria ter aceitado aquela dádiva do presidente do BPN. Sim, estando o banco em crise profunda, não era racional nem economicamente correto pagar as acções da SLN ao preço a que ele mas pagou. Aquilo foi demais. Diz o nosso povo, com carradas de razão, «quando a esmola é grande o pobre desconfia». Eu devia ter desconfiado. Mas nada fiz para rejeitar aquele bodo envenenado e cheio de subreptícias intenções.
Por isso, caros amigos, chegou a hora de devolver aquelas mais valias com cheiro pestilento a favor ou coisa similar. Não quero mordomias que me pesem na consciência. Não quero fardos morais, numa altura em que o fardo da crise pesa, e de que maneira, sobre todos os portugueses.
Por isso entreguei ao senhor cardial patriarca aquelas mais valias a fim de serem distribuídas pelos mais carenciados.
E faço mais: apelo a todos aqueles que tiveram lucros chorudos com os negócios aberrantes daquela instituição, que façam o mesmo que eu. É nestas horas que se vêem os amigos, é nestas ocasiões que se vê o amor à pátria, é nestes momentos difíceis que se vê quem tem coração.
Os verdadeiros estadistas medem-se por estes gestos simples mas carregados de significado patriótico.
Nota final: No seu túmulo Camões escreveu um soneto elogiando este gesto nobre e sublime. Também Saramago, escreveu um novo Ensaio sobre a Cegueira. Camilo, rasgou «A queda de um anjo» e escreveu, lá no túmulo, «A ressurreição de um anjo»...
P.S.: Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência. Isto é uma falsidade completa.Enfim, num momento de loucura todos temos o direito de errar. Errare humanum est!