A minha memória ainda não deliu as saborosas crónicas assinadas pelo brilhante jornalista Artur Portela (Filho) no Jornal Novo e na revista Opção. Há figuras imorredoiras que ainda hoje rebusco nos escaninhos da memória e povoam num lugar de destaque o meu imaginário literário. Artur Portela era o meu ídolo, confesso. Atacado à esquerda pela nova nomenklatura e à direita pelos velhos senhores, ele esgrimia argumentos carregados de ironia e de eloquência, era uma espécie de Eça de Queiroz do período revolucionário. Marcial Ribeiro Souzela e Valença de Navalho eram dois astros emergentes, que ele fustigava com ironia, elegância, e desassombro. Lia e relia aquelas passagens e sorria. Ele e Natália Correia foram alicerces da minha formação, direi até, pilares do meu carácter.
No tocante a Valença de Navalho ele zurzia sem clemência e ainda recordo uma descrição fabulosa que ele faz do seu primeiro contacto com o conhecido empresário dos cimentos. Digno de antologia. A revista Opção onde também colaborava Margarida Marante, era uma delícia em termos literários. Guardei anos a fio uma coleção encadernada contendo trechos memoráveis, dignos de um escritor de alto gabarito; enfim, fui na revolução um "sem-abrigo" partidário e sofri com essa postura íntegra e independente. Era um não-alinhado, um ingénuo quimicamente puro. Andei pela Avenida da Liberdade a colher assinaturas aquando do "saneamento de alguns jornalistas do DN".
Agora, passados tantos anos, ao ler uma entrevista de Manuela Moura Guedes ao "I", em que acusava Proença d e Carvalho de ser o novo "dono disto tudo" fiquei de sobreaviso. Era um sinal inequívoco do que estaria para vir. O caso com o procurador Orlando Figueira e as revelações desassombradas por ele proferidas, dizendo que o seu silêncio fora "comprado" por Proença de Carvalho deixam antever uma série de episódios eventualmente chocantes, uma longa metragem de alto gabarito, dadas as altas instâncias em que se move o referido advogado e toda a envolvência mediática que isso poderá gerar. Ele lidera a Global Media e isso diz muito.
Enfim, esta criatura que andou sempre na crista da onda, foi presidente da RTP, foi ministro, e está a administrar tantas empresas, tem do poder a noção de quem está num patamar superior, que paira acima das nuvens da mediania, que está acima do vulgo, enfim, comunga da aura dos ungidos por Júpiter. Um vero deus no nosso olimpo doméstico . O futuro dirá algo sobre o carácter deste homem. E não creio que seja bom. Pelo menos, pela aragem...
Bem sabemos que possui um exército de "generais prussianos que nunca se amotinam" e o defendem até aos limites do racional, até `a exaustão. Essa "muralha de aço" numa democracia autêntica poderia não valer de nada, mas nós bem sabemos que vivemos num regime plutocrático, e, pior, a corruptofilia é a nova praga que ataca a vinha democrática, uma espécie de filoxera implacável. Não é um regime confiável, tal como não era o Estado Novo...
Artur Portela era muito bom a fazer diagnósticos de personalidade. Creio bem que muito verniz irá estalar, muitas comadres dirão algumas verdades, e as arcas encoiradas, quais caixas de Pandora, abrir-se-ão perante o espanto do cidadão vulgar de Lineu.
José Manuel F. Leite de Sá
LER E MEDITAR
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SABADO
Um comentário:
Extraordinário.
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